Friday, July 8, 2011

Uma Coisa Inventada - II

Os olhos ficaram fechados, apertados para não deixar entrar nenhuma luz, nenhuma imagem e ela se deixou mergulhar naquele mundo do invisível... era surpreendentemente calmo e silencioso - tudo parecia ser sussurrado. E havia uma certa melodia sendo murmurada e repetida - como um credo, um mantra! Resolveu abrir os olhos devagar, para que a luz não lhe invadisse os olhos violentamente - e, para sua surpresa, a luz era suave, uma penumbra de sono da tarde - janelas fechadas peneirando o dia. Quando os olhos se ajustaram àquela nova luminosidade, percebeu que não estava mais no mundo visível. Estava num mundo novo, que lhe permitia olhar sem ser interrogada, que lhe permitia ser para dentro. Ficou alguns minutos contemplando aquele mundo e não reconheceu ninguém, nem nada - um daqueles momentos do novo em que a gente tem que dar uma pausa para tanta informação que vem chegando. Ficou um pouco atordoada. Fechou os olhos novamente e apertou-os com força - e voltou.

O quarto do hospital era o mesmo, os sons do monitores continuavam apitando e a enfermeira de plantão acabara de sair. Para onde tinha ido? Que lugar era aquele que ela podia visitar?
Era já quase hora do jantar - tinha que ir até a cantina comer aquela comida pálida, mas que para ela não fazia diferença ser pálida ou ser rica em cores e vitaminas - tudo tinha o mesmo gosto de metal, de dor... pela primeira vez não queria ir jantar sozinha. Sentia uma necessidade de companhia - a experiência do mundo desconhecido, sem nome, sem referência, talvez fosse a causa dessa sentimentalidade social.



Tuesday, July 5, 2011

Uma coisa inventada

já nem lembrava mais que coisa era aquela de ser feliz...
As horas eram passadas de olho no outro que insistia em não viver mais
e por isso, ela também, já não vivia mais - só se deixava passar:
pelas portas, vitrinas, janelas, salas, igrejas, cinemas, escolas... mas não estava em nenhum desses lugares. Estava ausente de si e presa num botão de alguma flor que esqueceu de abrir...



Por isso, às vezes era invisível - era um dom raro e, de certa forma, alienante. Não escolheu o dom, não treinou para ele - apenas recebeu-o numa dessas tardes do nada em que os passantes vão apressados nos seus pensamentos de encerrar o dia - e ela viu que no seu esquecimento de ser, no seu passo de valsa triste, as pessoas quase que a atravessavam, sem olhar, sem ver, sem escutar - era fluida e inexistente!

Utilizava a invisibilidade quase todos os dias - assim não era importunada com perguntas inconvenientes em momentos sociais (que, de certo, não escolhia, mas ia). Realizou num desses momentos de invisibilidade que continuava sendo incomodada - por seus olhos que continuavam vendo. Via demais, sempre viu! Via tudo que era para se ver e não se ver. Via o pensamento de todo mundo - não era leitura, era mais um cineminha ora muito tedioso, ora muito intenso... acho que vinha com o dom da invisibilidade. O fato é que ver era muitas vezes um aborrecimento dos olhos! Então começou a fechá-los, para sentir a invisibilidade em tudo.